O Tribunal Constitucional pronunciou-se, em sede de fiscalização abstrata preventiva, sobre o pedido apresentado por Sua Excelência o Presidente da República, relativo à conformidade constitucional de quatro normas constantes do ato legislativo da Assembleia Nacional, submetido à promulgação como lei que consagra os princípios gerais da administração da justiça e regula a organização, a composição, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais e dos tribunais fiscais e aduaneiros.
No Parecer n.º 2/2025, datado de 6 de junho de 2025, o Tribunal, reunido em plenário, apreciou as dúvidas suscitadas quanto à compatibilidade de diversas disposições com os preceitos da Constituição da República de Cabo Verde. Em causa estavam:
1. A norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º, que integra os tribunais fiscais e aduaneiros como tribunais de primeira instância;
2. A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º, que atribui competência aos Tribunais de Relação para julgar recursos das decisões proferidas por tribunais fiscais, aduaneiros e militares;
3. As normas dos números 1 e 2 do artigo 104.º, que regulam a transição dos atuais juízes dos tribunais fiscais e aduaneiros para a magistratura judicial.
DECISÃO DO TRIBUNAL
Após rigorosa análise jurídico-constitucional, o Tribunal Constitucional decidiu:
a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma prevista na alínea b) do nº 3 do artigo 2º do ato legislativo que estabelece os princípios gerais da justiça e regula a organização, a composição, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais e dos tribunais fiscais e aduaneiros, na exata medida em que determina que os tribunais fiscais e aduaneiros são tribunais de primeira instância;
b) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do ato legislativo que estabelece os princípios gerais da justiça e regula a organização, a composição, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais e dos tribunais fiscais e aduaneiros, na exata medida em que estatui que compete aos tribunais de Relação, funcionando em Plenário, julgar os recursos das decisões proferidas pelos tribunais fiscais e aduaneiros e pelo tribunal militar de instância nos termos das respetivas leis de processo;
c) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas previstas nos números 1 e 2 do artigo 104º do ato legislativo que estabelece os princípios gerais da justiça e regula a organização, a composição, a competência e o funcionamento dos tribunais judiciais e dos tribunais fiscais e aduaneiros, na exata medida em que estatuem, respetivamente, que os atuais juízes dos Tribunais Fiscais e Aduaneiros transitam automaticamente para a categoria de Juízes de Direito de 2ª classe, com a entrada em vigor da presente lei, e que os atuais juízes dos Tribunais Fiscais e Aduaneiros podem transitar para a categoria de Juízes de Direito de 1ª classe, desde que tenham a classificação de Bom com distinção relativa aos últimos três anos .
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Juiz Conselheiro José Pina Delgado apresentou declaração de voto concorrente, acompanhando o sentido geral da decisão, mas manifestando reservas quanto à transição dos atuais juízes dos tribunais fiscais e aduaneiros para a magistratura judicial comum, em especial por considerar que tal solução pode representar uma interferência do legislador em domínio materialmente administrativo, nomeadamente no desenvolvimento na carreira judicial, cuja condução é da competência exclusiva do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
Entendeu que a norma que prevê a transição automática se aproxima, na prática, de um ato administrativo individual, sem a necessária intervenção do CSMJ, levantando dúvidas quanto à sua constitucionalidade.